A reforma constitucional do divórcio: um silêncio eloquente

Marcos Alves da Silva, 2010

Qual o sentido e alcance da Emenda Constitucional n.º 66, que alterou a regulação do divórcio no sistema jurídico brasileiro? Que questões polêmicas e impasses surgiram dessa alteração constitucional? A referida emenda implica efetiva reforma e traz consigo avanços? Essas três questões transbordam o interesse dos especialistas. A mudança legislativa constitui tema sensível com repercussão direta na vida familiar. É de interesse geral.

A emenda, em sua forma, é muito simples. Ela baniu do texto constitucional os prazos exigidos para o divórcio. Antes, para um dos cônjuges ou para o casal ajuizar ação de divórcio deveria estar separado judicialmente há, no mínimo, um ano, ou estar separado de fato há mais de dois anos. Com a emenda constitucional, o § 6.º do art. 226 da Constituição Federal, que fixava tais prazos, passou a ter a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. O dispositivo constitucional é, agora, eloquente pelo que não diz. Em outras palavras, a norma constitucional não impõe mais qualquer limite temporal para o desfazimento do matrimônio pelo divórcio.

Esses limites temporais para o rompimento dos laços matrimoniais resultaram do embate entre divorcistas e antidivorcistas, quando da elaboração da Lei do Divórcio. Para que o divórcio fosse admitido em nosso sistema, pela Lei 6.515 de 1977, várias concessões foram feitas aos defensores da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Assim, para chegar ao divórcio, impunha-se aos pretendentes o “estágio” da separação judicial ou de fato. Os prazos de separação exigidos por lei para a obtenção do divórcio eram mais alongados e foram encurtados pela própria Constituição Federal. Agora, os referidos prazos desapareceram do texto constitucional.

Relevantes discussões surgiram com a promulgação da emenda 66. Juristas de grande renome têm afirmado que, com a alteração constitucional, a separação judicial estaria, de uma vez por todas, banida do sistema jurídico brasileiro. A única forma de rompimento do casamento seria pelo divórcio. Não me alinho àqueles que assim entendem. A alteração foi no sentido de suprimir os limites constitucionais referentes a prazos para a obtenção do divórcio. A Constituição jamais regulou a separação judicial. Esta matéria sempre foi tratada em legislação infraconstitucional. A separação só era referida, na Constituição, em razão da fixação de prazos para a demanda de divórcio. Logo, a supressão desses prazos, por si só, não tem a força de eliminar do sistema a possibilidade da separação judicial.

A imposição da separação como pré-requisito para o divórcio constituía uma intromissão indevida do Estado na esfera da intimidade do casal. Não se deve, porém, partir para o outro extremo, que é o de suprimir a alternativa da simples separação para aqueles que ainda não têm certeza de que pretendem o divórcio.

Outra polêmica que se tem levantado diz respeito à imediata aplicação da norma constitucional. Alguns sustentam que o ajuizamento do divórcio, independentemente de prazo de separação, só será possível após reforma da legislação infraconstitucional. Formalmente, tal entendimento poderia ser até sustentado. A Constituição não impõe limites temporais para o divórcio, mas não proíbe expressamente que a lei o faça. Prescreve simplesmente que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. O Código Civil, ao impor os mesmos prazos que antes constavam da Constituição, formalmente, não a contrariaria. Logo, concluem os adeptos de tal tese que somente com a reforma do Código Civil é que a Emenda Constitucional n.º 66 ganharia efetividade.

Entendo de forma diversa. A norma constitucional é eloquente pelo que deixou de dizer. Faço voz com os que sustentam a aplicação imediata das normas constitucionais às relações interprivadas. Ao suprimir os prazos de separação, como requisito para o divórcio, a Constituição não torna facultativo o estabelecimento de tais prazos, a critério do legislador infraconstitucional, mas sim determina seu banimento do ordenamento. Poder-se-ia falar da força normativa do não escrito. Trata-se de um silêncio afirmativo. A aplicação da norma constitucional deve ser imediata.

Essa alteração constitucional certamente terá repercussões para toda a regulação jurídica da conjugalidade, com vários benefícios, especialmente porá fim à discussão sobre a culpa na dissolução do casamento. Um tema para outra oportunidade.

Marcos Alves da Silva | Advogados Associados 

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